Assim, foi só pousar as mochilas no quarto e seguimos
directos para uma sessão de esclarecimentos sobre o circuito que, segundo nos tinham dito em El Calafate, acontece todos
os dias às três da tarde. Tínhamos imaginado um veterano chileno a responder pacientemente
às perguntas de meia dúzia de saloios - nós, incluídos. Ou seja: quando
entrámos na sala e deparámos com trinta pessoas equipadas como se fossem para o
trekking logo a seguir à sessão,
todos muito concentrados a ouvir a palestra que tinha começado há poucos
minutos... mas este foi só o primeiro choque.
A comandar a palestra estava um americano de trinta anos,
sentado num banco alto com um mapa enorme atrás, uma cana para apontar os
lugares à medida que falava, uma lista de temas muito bem organizada, primeiro
a descrição do circuito, depois o equipamento, comida, condições climatéricas, etc,
etc. Mas uma das primeiras coisas que o ouvi dizer foi:
"Out there you don't wanna eat healthy. Out there, you
eat junk."
Imaginem um Chuck Norris mais novo, vestido de Quechua, a
falar como o Tommy Lee Jones naquele célebre discurso de caça-ao-homem no filme
"O Fugitivo", com a mania que é o gajo do "Into the
Wild" e tiques do outro do "127 Horas". Era assim, o guru de hoje.
Ao tom militar que imprimia ao briefing, só lhe faltava uma banda sonora de marchas de guerra a la
Hollywood. Juro que a dada altura, comecei a perguntar-me se íamos fazer um trekking ou conquistar o parque aos
índios Apache.
Eu e o Bunty tirávamos notas em silêncio, para passar despercebidos
no meio de tanta estratégia. Mas outros faziam perguntas sobre sobrevivência.
Entre dicas importantes e pormenores que nos permitiram ter uma ideia mais
concreta do que nos esperava, o herói americano lá ia polvilhando a conversa
com as suas façanhas e os perigos que tinha ultrapassado. Partilhou, por
exemplo, que apesar do frio glaciar ele não vai na conversa do equipamento XPTO,
e faz sempre o trekking de calções, porque assim seca mais depressa, "but
that's me, I like it dirty and rough."
Ou seja: entre dramas da montanha, relatos pessoais de
heroísmo, lendas várias e horrores pouco próprios a pessoas mais susceptíveis, saímos dali mais assustados que
esclarecidos.
O que não tem de ser necessariamente uma coisa má.
Decidimos ficar um dia extra em Puerto Natales - não
estávamos, claramente, preparados. Precisávamos de fazer uma selecção
criteriosa da comida a levar, comprar algum equipamento que nos faltava... e,
apesar da insistente comparação dos refúgios a "spas só para os fraquinhos",
decidimos que não estávamos preparados para acampar quatro dias nestas condições,
e que era preferível gastar mais dinheiro, mas ter algum conforto ao final do
dia.
2 comentários:
Pois eu diria que também estamos aqui perante uma crónica "estratégica"!!!
Só que, ao contrário do palestrante americano, temos aqui um cronista à maneira!!! ;)
Time to shop....
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