01/09/2014

OS COLEGAS

Ontem à noite estava em "arrumações" no telefone, organizando algumas notas de viagem, recados e lembretes que tinha um bocado "ao molho" - quando encontrei uma nota chamada "Os Colegas".

Começava com a seguinte frase:

"Novo tema no blog dedicado aos companheiros de viagem em aviões, autocarros, comboios, etc."

E depois prosseguia com a descrição de duas situações vividas nos voos que fizera nessa quarta-feira de Julho, quando regressei a Portugal depois de mais um Transiberiano com a Nomad e das rápidas passagens por Macau, Hong Kong e Siem Reap.

Situação 1 (voo Siem Reap - Kuala Lumpur):

A primeira história referia-se a um chinês que vinha no mesmo voo que eu para a Malásia. Viajava, como eu, sozinho - e era daqueles "cromos" que mete conversa com toda a gente, que sorri imenso (demasiado?) e está sempre à procura de uma desculpa para aprofundar os novos conhecimentos.

Ora eu normalmente até sou uma pessoa sociável, gosto de fazer novos amigos, sou curioso, interesso-me por histórias. Às vezes. Porque tem dias que não estou muito para aí virado, admito. Não apetece. Não tenho paciência. Quero estar no meu cantinho, sozinho. E neste meu regresso a casa, que prometia demorar umas oitocentas e noventa e três horas, confesso que não estava para grandes conversas.

Pode ser?

Mas o senhor não sabia disso. O senhor sentou-se na mesma fila que eu, com um lugar vazio entre os dois - ora que sorte, hem? -, e até tentou uma ou duas ou três abordagens, mas eu respondi sempre com respostas curtas e sorrisos frios. E apesar de termos trocado as saudações normais de quem vai viajar junto, apesar de até ter respondido a esta e aquela pergunta... a verdade é que deixei que o meu olhar se perdesse na paisagem do lado de fora da janela e, sem grandes cerimónias, acabei por frustrar qualquer tentativa de socialização do lado de dentro do avião.

Assim sendo, o senhor voltou-se para outras pessoas.

Apesar de ter dormido a viagem quase toda, apercebi-me que o senhor levantou-se e sentou-se uma série de vezes. Ouvi-o a falar com este e aquele, a rir e a espantar-se com alguma coisa - não me interessou o suficiente para abrir os olhos, por isso não dei por nada.

Mas quando chegámos ao fim do voo, quando finalmente o avião aterrou e pudemos desapertar os cintos e tirar as malas dos compartimentos em cima das nossas cabeças - então começou um rol imenso de despedidas e votos de muita saúde, boa sorte, boa viagem, etc.

"As melhoras para a sua tia!"

"Divirta-se no festival!"

"Não pense mais nisso, vai ver que tudo se resolve."

O senhor estava íntimo de metade do avião. Imagino quantos amigos terá no facebook. ;)

Situação 2 (voo Istambul - Lisboa):

Enquanto esperava para embarcar no último voo desta longa epopeia de regresso a casa, sentou-se quase-quase ao meu lado uma senhora (portuguesa, penso eu) que não arava de tossir.

Eu nem sou muito paranóico com as doenças e os vírus de que se ouve falar por aí - mas à 79ª vez em seis minutos de convivência no mesmo espaço, confesso que comecei a sentir-me um bocado incomodado.

Ainda apanho qualquer coisa.

Resisti a levantar-me durante algum tempo, mas o incómodo era tal que não tive alternativa. Fingi que tinha uma coisa importantíssima a fazer algures longe dali, qual Clark Kent à procura de uma cabine telefónica onde se despir para depois sair a voar e salvar o Mundo... acho que tive sucesso.

Quando começou o embarque deixei que a maioria das pessoas entrasse. Não gosto de ficar em pé na fila, normalmente deixo-me sentado e entro mais para o final. E quando finalmente me levantei do meu novo lugar para ir para o avião, meti-me na fila e senti que alguém também se tinha posicionado atrás de mim.

Cof-cof-cof.

Não pode ser.

Cof-cof-cof.

É ela. Reconheço-a pelos três cofs.

Que nervos.

Cof-cof-cof.

E eu a olhar para o infinito, para o lado oposto da senhora, a tentar não respirar.

Cartão de embarque, passaporte, 'bora lá. Atravessei o corredor em passos largos, entrei no avião e pedi aos santinhos todos, aos anjos e arcanjos, aos deuses hindus e aos filósofos chineses: por favor, que a senhora do cof-cof-cof não se sente ao meu lado.

Tive sorte, calhou-me na rifa um velhote que veio a dormir o tempo todo.

2 comentários:

Clara Amorim disse...

Então e para quando um livro que junte todas estas histórias e peripécias de viagens...?

Lv disse...

Isso mesmo as perpécias têm de ser escritas para não serem esquecidas e poderem ser lidas ....