"Que sorte", dirão alguns. E eu até admito que sim - é preciso alguma sorte. Mas a sorte depende também da postura que se tem, da presença, da disponibilidade. Em viagem como na vida, é preciso confiar e saber dizer que sim, é urgente ter os olhos abertos e agarrar oportunidades, ser positivo e acreditar, não ter medo do desconforto, da incerteza, do desconhecido.
Por isso é que digo que sim - é realmente preciso ter sorte - mas a disponibilidade é essencial. Eu até podia estar aqui, visitar monumentos e comprar uns souvenirs, mas não dar-trela a conversas, não aceitar convites nem desafios.
Há coisas que só acontecem a quem diz que sim.
Como ir a um casamento no Egipto.
Passámos a manhã de ontem a explorar túmulos e templos, hieroglifos e estátuas, ora fascinados com o detalhe e a dimensão do que vimos, ora irritados com o constante assédio dos touts a pedir gratificações e esmolas.
São mesmo chatos. Nunca vi nada assim.
Ao início da tarde fomos almoçar a um restaurante onde tínhamos comprado água no dia anterior - e éramos praticamente os únicos turistas, como tem sido apanágio ao longo destes dias. Conversa-puxa-conversa, o dono do restaurante era um "gajo porreiro" e acabou por, a certa altura, nos desafiar a ir com ele ao casamento da irmã da sua mulher, ao final da tarde.
Aceitámos, claro.
Ainda fomos ver isto-e-aquilo, reservámos um passeio de feluca no Nilo para hoje, mais o carro que nos levará ao Mar Vermelho amanhã - e às sete da noite, como combinado, estávamos de volta ao restaurante. Só às oito e meia é que saímos, depois de muita conversa e uma cerveja com o Asab e dois amigos. E quando chegámos finalmente ao casório, numa aldeia a uns oito ou nove quilómetros, então percebemos que nos tinha calhado na Sorte um daqueles momentos de viagem que vamos recordar toda a vida.
Éramos os únicos estrangeiros, claro. Sentados com os outros homens à volta de um pátio, com uma banda a tocar ininterruptamente - um som hipnótico do deserto, qualquer coisa entre música indiana e os sons que me acompanharam quando atravessei o Sahara em 2008.
Vieram servir-nos chá, cigarros, copos de água. Sempre que chegava mais alguém, falava a todos os que estavam sentados. Éramos provavelmente uns cem homens, de todas as idades. As mulheres estavam dentro de casa, de vez em quando vinham espreitar à varanda, outras vezes à porta de casa, a rir muito e a dançar, a gritar aqueles gritos do deserto, glugluglu... mas sem nunca sair cá para fora.
Fomos apresentados ao noivo - mas nunca vimos a noiva.
E se o ambiente já era especial, mais ainda ficou quando os senhores começaram a fazer uma dança com uns cajados enormes, primeiro num solo de introdução, como que num ritual hipnótico - e depois dois-a-dois, numa espécie de pauliteiros de miranda em versão capoeira. Muito interessante.
Um sorriso muito especial acompanhou-nos durante toda a noite. Vivemos a experiência no seu Momento, mas conscientes de que esta era uma daquelas histórias que no futuro ia ser recordada e partilhada com nostalgia e um enorme sorriso. Este foi um "daqueles momentos".
Hoje de manhã fomos andar de balão, e nestes dias temos visto monumentos impressionantes, testemunhos da História e de muitas histórias. Alugámos uma mota a um vizinho, têm sido dias fascinantes aqui em Luxor. Mas o que vamos recordar em primeiro lugar, aquilo que marcará o tempo passado aqui, vai ser a hora e meia que estas fotos ilustram:
Obviamente não levei máquina fotográfica. Ia "matar" o momento. Como em tantas outras experiências de viagem, o mais importante é vivê-las. O registo é secundário.O registo é aquele que fica na nossa memória. Tirei meia dúzia de fotos com o telefone, metade nem se aproveita - estas chegam.
2 comentários:
Quase que estive também nesse casamento .....
Que sortudos...! :)
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