Hoje de manhã estava à espera que chegasse a minha vez de levantar dinheiro, num ATM, quando reparei numa barata enorme que corria de um lado para o outro, frenética, como que a fugir de alguma coisa, como se estivesse desnorteada, perdida, ou pura e simplesmente: louca. Tanto corria para a direita como para a esquerda, parecia não ter qualquer objectivo senão correr.
A certa altura pareceu-me querer subir um degrau, mas sempre que chocava com a parede e a tentava "trepar", caía de costas no chão e ficava a debater-se, de patas a pontapear o ar, num desespero louco e vulnerável, até que eventualmente se conseguia pôr "de pé" e lá voltava ao mesmo exercício, a correr desenfreada, às vezes só dois ou três centímetros para então embater novamente no degrau... e então voltava ao mesmo. Tentava subi-lo, caía de costas, etc, etc. Ficou nisto vários minutos, e já só faltava uma pessoa para ser a minha vez de levantar dinheiro.
A dada altura conseguiu. Subiu o degrau. Tentou por uma parte da parede que devia ser mais rugosa, pois as suas patinhas lá se aguentaram e tremendo a barata conseguiu subir.
Mas no patamar seguinte havia um saco de cimento. A barata começou por chocar contra o saco, que estava ligeiramente aberto, foi tateando e praticamente entrou lá para dentro, mas vá-se lá entender porquê, deu uma volta estranha e lá caiu de costas outra vez, à porta do saco. Debateu-se até se cansar, a seguir ficou alguns segundos parada, parecia morta - e pouco depois recomeçou a espernear, abanando-se até conseguir dar a volta. E repetiu o exercício várias vezes.
Over and over... and over again.
Chegou a minha vez de levantar dinheiro. Entrei na cabine e enfiei o cartão na ranhura da máquina. Enquanto esperava pelas instruções, olhei para a rua e lá vi a barata, novamente de costas, a debater-se indefesa, completamente à mercê seja lá de que perigos, inimigos, má sortes e outros destinos.
Código e a rotina do costume, tome lá o seu cartão e já agora o dinheirinho. Num só levantamento e já sou milionário, é o que dá tantos zeros à frente de um cinco. E o Ho Chi Minh a dar voltas e reviravoltas lá no mausoléu, ele que queria ser cremado, ele que de certeza não ia achar piada nenhuma a figurar em todas as notas vietnamitas. Há ironias.
Voltando à barata. Quando a deixei, estava ainda a espernear. Voltei para o hotel, a garganta a queixar-se deste passeio matinal, teve de ser, tinha de ser, trabalho é trabalho... e pelo caminho fui pensando em algumas semelhanças da estúpida barata, nojenta e mal-amada, e da fatalidade do espírito humano, supostamente omni-racional e consciente, fértil em culpas e vaidades, em constrangimentos e solidariedade, altruísmo e egoísmo. Tanta coisa. Mas a verdade é que há semelhanças.
Quantas vezes andamos a correr "que nem baratas tontas", ora aí está uma expressão que tem tudo a ver, nem tinha pensado nisso antes. Quantas vezes. Nem damos pelo espaço à nossa volta, não paramos um segundo para avaliar perigos e limitações, atalhos e possibilidades, alternativas, planos de ataque. Isso é mau? É bom? É as duas coisas, parece-me.
Mas a verdade é que muitas vezes nos comportamos assim. Esquecemo-nos de ser simples. De fazer devagar. De olhar para a paisagem. E se por um lado, bater várias vezes com a cabeça na parede pode ser o único caminho para depois conseguir subir o degrau... a verdade é que muitas vezes nos atiramos às cegas para uma coisa e depois ficamos de patinhas viradas para o ar, fragilizados, vulneráveis.
É como tudo. É como o copo de água. Metade cheio. Metade vazio.
E eu, como Balança que me prezo ser, vejo os dois lados e tento entender cada um, não me consigo decidir. Cada qual com as suas vantagens. Cada qual com os seus defeitos. Quem sou eu para sentenciar.
A mim, e aqui: cabe-me partilhar. A experiência. O pensamento. A curiosidade.
E logo agora: que "caí de cama" porque, há que admitir, negligenciei alguns sinais que o corpo me andava a enviar... barata tonta, Jorge Vassallo! De costas virado, a espernear, a tentar virar as coisas do avesso, o mundo é que está ao contrário, o mundo é que está ao contrário.
2 comentários:
Estás de volta no teu melhor, que bom, :) vai com calma, devagar, devagarinho, não esqueças que ainda não estás bem.
Bom jantar e parabéns à tua amiga brasileira que faz anos.
Fabuloso post!
Belas palavras...
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