O ar carregado, húmido e quente - um abraço pegajoso de boas-vindas, a cheirar a cravinhos e ao fumo dos tubos de escape. Kuala Lumpur.
KL para os amigos.
Meti-me no aerobus para Puduraya e instalei-me no hotel do costume, um "buraco" barato e bem situado, algures entre Chinatown e Bukit Bintang, por trás do templo hindu, "in the heart of KL", como diz o cartaz por cima da recepção - e pouco depois de entrar no quarto e pousar as mochilas, um flash iluminou o céu cinzento e os prédios por baixo... e boooooom! Água, luz e som. Podia ser o princípio do fim do mundo, uma tragédia de telejornal, um espectáculo multimédia. Mas era só a tempestade do costume.
Como um gesto repetido por um velho amigo, sempre que nos encontramos. Como uma private.
Eu e KL - é sempre a mesma coisa. Chego e até pode estar um dia maravilhoso, os passarinhos a chilrear, avozinhas a passear os netos no jardim, esplanadas cheias - mas vai chover. Nem que seja por alguns minutos, nem que passe depressa e volte tudo ao estado em que estava antes. Mas a cidade recebe-me assim. Alto e pára o baile, venham de lá os relâmpagos e a trovoada, o ensaio de um dilúvio: bem-vindo sejas, amigo.
Fui tomar banho e acabou-se a água quando estava coberto de espuma. Convoquei os deuses e amaldiçoei o destino, mas nada. Nem pinga. Abri a torneira do lavatório e tentei lavar-me só com o tímido fiozinho que me enchia devagar as mãos em concha. E quando estava já com a toalha à volta da cintura, pronto para regressar ao quarto: água. Só dá para rir.
Seis da tarde. Ou serão sete? Aqui o relógio está um pouco mais adiantado. Mas já troquei ou não? Ou será que o telefone mudou a hora automaticamente? Saio para a rua. Confirmo as horas. São sete. Já não chove. Sigo a pé até Masjid Jamek, desço umas escadas rolantes atrás de um grupo de estudantes indianos histéricos e apanho o metro até à KL Sentral, são só duas estações mas dá para trocar sorrisos com duas alemãs de mochilas às costas, meio-amedrontadas com a confusão à volta, de chapéu de palha a dizer Langkawi. Ou seria Phuket? Vai dar ao mesmo. Troco dinheiro na estação e espero pelo komuter, onde viajo com as pessoas que voltam para casa. Saio em Serdang, estou nos subúrbios.
"Give 15 min... sorry... we are late", diz-me um dos amigos com quem combinei ir jantar, num SMS enviado quando já estou à espera há um quarto de hora. Que remédio. Estou enconstado a um muro numa autoestrada, a ver os carros a passar, espero que não se demorem muito, estou cheio de fome.
"Pls be passion", diz a mensagem seguinte. Paixão - em vez de paciência.
"I am passion", respondo.
E pouco depois: dois sorrisos familiares. Abraços e rápidos updates, e de repente é como se nos encontrássemos todos os dias. Não nos vemos há quase seis meses, mas as amizades verdadeiras são assim. Num instante se apaga o tempo e os entretantos. Perguntam-me se quero ir ao karaoke, como nos meus anos. Claro que sim, desde que tenham comida. Tenho fome.
Mas o karaoke não era bem o mesmo da última vez. Parámos o carro num restaurante de rua montado numa tenda, debaixo de um viaduto. Sentámo-nos à espera da comida, um nasi lemak com galinha e molho especial. À frente das sete ou oito mesas quase vazias, um palco cheio de luzinhas coloridas a brilhar, tipo "festa da aldeia". Um velhote malaio cantar desafinado velhas músicas indianas.
Chegou a comida. Comemos. Que delícia. E quase sem dar por isso, a certa altura estava a aplaudir os meus amigos, que cantavam animadamente no palco. Entretanto tinha chegado mais gente. Quarentonas sorridentes de lenço na cabeça e homens com camisas de clubes ingleses dançavam no espaço entre as mesas e o palco. Uma criança corria de um lado para o outro com sapatos que reluziam a cada passo. Numa mesa, uma velhota fumava um cigarro e trocava piadas com o filho adoptivo. Há quem diga que são "casados", diz-me um dos meus amigos ao ouvido.
E eis que de repente oiço alguém chamar o meu nome.
Olho à volta, os meus amigos sorriem, um deles levanta-se e faz-me sinal para que o acompanhe. É a nossa vez de cantar. Isto não me está a acontecer.
Dirigi-me ao palco, não tinha como fugir. Segurei no microfone que alguém me passou... e cantei. Com público e palmas, num palco montado debaixo de um viaduto. Na Malásia. Cantei quatro ou cinco músicas, Frank Sinatra e sei lá mais o quê, algumas a solo e outras em dueto com o meu amigo Awie. E depois das palmas, o dono do restaurante veio dar-me os parabéns e convidou-me para cantar numa festa de solidariedade de um orfanato, daqui a quinze dias. Não posso, respondi, estou em Portugal. Agradecido.
"Então deixa-me o teu skype que vou fazer de ti uma estrela."
Esta cidade! :)
2 comentários:
Vai fazer de ti uma estrela ainda maior!! Porque estrela já és!!!
Sempre com muito humor...! :)
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