Desculpem-me o desvio - mas viajemos, por momentos, até ao início do século XX.
Imaginem o escritório do presidente da Rolls Royce. No meu
imaginário posso desde já dizer que vejo um palácio vitoriano no centro de uma quinta clássica na Escócia,
com o nevoeiro a espreitar atrás da floresta e uma oficina enorme ao fundo,
onde são construídos os carros mais exclusivos do Mundo.
Estão a ver o presidente da Rolls Royce sentado na sua
secretária? Está a actualizar o Facebook (no meu imaginário já havia facebook nesta
altura, mas era a preto e branco e muito lento); quando de repente entra pelo
escritório adentro um homem pequeno e com uma barriga enorme, chega ofegante e com a testa a suar, como se tivesse atravessado a correr todo o
relvado que separa o palácio do portão. Traz uma carta na mão:
"Senhor Presidente, acabámos de receber uma carta da
Índia, e traz no selo o brasão de um rei."
O presidente levanta-se e estende solenemente o braço,
recebe o envelope e abre-o no mesmo instante. Lê-o em silêncio. Não revela
qualquer emoção. O homem que trouxe o envelope ainda não recuperou o ritmo
normal da respiração; e tal qual uma estátua, mantém-se no lugar de onde nunca saiu este tempo todo.
Não se atreve a retirar-se, seja por respeito ao homem que tem à sua frente,
seja porque está curioso com o conteúdo da carta.
"Chama o William", é a única coisa que o outro
diz, com um sotaque britânico mais cerrado que o nevoeiro em volta da quinta.
O William é o responsável pelo departamento de encomendas
especiais. Em poucos minutos está sentado em frente ao presidente - incrédulo
com aquilo que este lhe pede:
"Um Rolls Royce amarelo-canário?!"
"É o que ele quer, William."
"Mas amarelo-canário... e com uns rebordados a ouro? Isto
não faz sentido! Nós somos a Rolls Royce, nós não fazemos carros
amarelo-canário!"
"Meu caro... se o Nizam de Hyderabad quer um Rolls Royce
amarelo-canário, nós fazemos um Rolls Royce amarelo-canário."
"Com todo o respeito, presidente..."
"Senhor presidente."
"...senhor presidente. Desculpe. Com todo o respeito,
mas nós somos a Rolls Royce, não somos a Porsche ou a Ferrari, ou a
Hummer."
"Quem?"
"Não interessa. Nós fazemos carros clássicos, senhor
presidente. A Rolls Royce é um símbolo de excelência, é uma referência - nós não
fazemos brinquedos amarelo-canário com rebordos a ouro e sei lá o quê de marfim
e cristal. Nem para o Nizam de Hyderabad"
Desconheço o destino do William. Se foi despedido ou não, ou
que argumentos o convenceram a eventualmente mudar de ideias. Ou se calhar
nunca existiu William nenhum - nem esta conversa. Afinal, esta história é fruto
da minha imaginação. Mas não me admirava nada se uma discussão destas tivesse
mesmo acontecido.
O facto é que existe hoje, em exposição no Palácio Chowmahalla,
em Hyderabad, um Rolls Royce Silver Ghost Throne amarelo-canário com rebordos a ouro e
mais-sei-lá-o-quê em marfim ou cristal, nem sei bem. Foi encomendado em 1911 por Mehboob Ali Khan, o VI Nizam de Hyderabad - e entregue ao seu filho, Mir Osman Ali Khan, que era na altura o homem mais rico do Mundo.
E esta, hem? ;)
Mas Hyderabad foi há mais de uma semana atrás. Como sabem, estou no Kerala. Depois de vários dias à procura de uma Vespa, lancei-me à estrada com o Luís Simões do World Sketching Tour, às voltas pela Índia... de mota. Ainda agora começou e já temos tanto para contar. Estejam atentos!
2 comentários:
Ahahah que historia deliciosa!Imagino o William igual ao Ambrósio :D
Imaginação fértil, a tua! ;)
Que história maravilhosa!!!
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