02/04/2015

EMOÇÕES AO RUBRO, ALGURES NO MYANMAR

PARTE 3: UM FINAL FELIZ

Como é que me fui esquecer do passaporte? Que estupidez. E o gerente - ele também se devia ter lembrado. Chegou a voltar atrás para ir buscar um cartão de visita. Como é que nos esquecemos disto?

Várias questões e culpas dançavam na minha cabeça, enquanto a minivan prosseguia estrada fora, como se nada de especial tivesse acontecido.

Tinha-me esquecido do passaporte em Magwe. Ainda ponderei mandar a minivan parar, com grande drama e banda sonora, efeitos especiais, o que se espera de uma situação assim. Mas para quê. A minha entrada já tinha sido "à herói" - o que seria. Além de que não ia resolver nada, ficar parado algures no meio do Myanmar.

Telefonei para o hotel, para confirmar que o passaporte ainda estava lá. O senhor da recepção, de tão nervoso, já trocava o inglês e o birmanês e sabe-se lá que idiomas há muito esquecidos.

"Keep the passport in the hotel", repeti várias vezes. "Keep it there, que eu estou quase a chegar a Bagan e já encontro uma solução."

E assim aconteceu.

Cheguei a Bagan pouco depois da uma da tarde, já o Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) me esperava com o tio, que tem um carro. Em Bagan não posso andar à pendura com um local, por isso em algumas deslocações não há muito por onde fugir ao táxi. Regras.

"My friend... não imaginas o que me aconteceu."

Expliquei tintim-por-tintim o sucedido. Devagarinho, para ser bem entendido. E depois descrevi aquela que achava ser a melhor solução. O Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) debateu estratégias e alternativas com o tio, fizeram contas de cabeça, consultaram o horóscopo, olharam para as estrelas e molharam o indicador para ver de que lado vinha o vento ;) e fizeram uns telefonemas.

Pouco depois, tudo parecia encaminhado.

O gerente do hotel em Magwe ia entregar o passaporte ao driver da minivan que saía às três da tarde. Nessa altura ligavam-nos para ficarmos com o número de telefone do driver. E depois era ter paciência - e esperar. A minivan chegaria a Bagan, teoricamente, às seis da tarde. Se tudo correr bem: com o meu passaporte.

"Isto era o destino a dizer que devias ter vindo na minivan das três", disse-me uma vozinha vinda sabe-se lá de onde.

Está calada, vozinha vinda sabe-se lá de onde. Isso faz algum sentido.

Quase duas da tarde. Tinha quatro horas até à minivan. E não podia fazer check-in em hotel algum, porque sem passaporte não há quarto para ninguém. Fui com Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) para casa dele, reencontrei a Win Win (a mulher dele), a São (a filha de nove meses), o Zé e o Tun (irmãos mais novos da mulher), e a avózinha de 95 anos que é uma delícia de senhora. Passámos duas horas a trocar histórias e a sorrir uns para os outros, depois fui à margem do rio beber um sumo de cana do açúcar com o Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe), e ainda parámos para eu fazer umas fotografias num mosteiro ali ao lado, onde os monges estavam a cortar lenha para dar aos peregrinos, em agradecimento aos donativos destes.

Quatro horas. Passa a correr.

Voltámos ao ponto onde a minivan das dez me deixara. E onde ia encontrar a das três. Sentámo-nos a beber um café e a comer umas espetadinhas de frango deliciosas. Na televisão passava um antigo filme birmanês que parecia um remix muito especial do Indiana Jones com um clássico de Bollywood que não vale a pena agora explicar.

Seis e oito: nada.

Seis e treze: nada.

Seis e dezassete: olha só quem chegou.

Era a minivan. E o driver da minivan. E o passaporte, dentro de um envelope, na mão estendida do driver da minivan.

Como se diz na Índia: tudo está bem quando acaba bem... e se não está bem, é porque ainda não acabou. Eu, por mim, estou bem. E dou por terminada esta aventura. Quero um duche, quero jantar, quero cama. Amanhã é outro dia. Outras histórias. Fui.

2 comentários:

MTKnapic disse...

adoro a forma como escreves; fiquei a pensar como seria aquele que se lê joe joe e toda a história de molhar os dedos para ver de onde vinha o vento; costumo referir-me a ti como um viajante mas agora vou acrescentar que és um contador de histórias, um incrível contador de histórias.
tudo de bom para ti
TKnapic

Clara Amorim disse...

Sim, já o disse várias vezes, um grande contador de histórias!!!
Jorge, uma Feliz Páscoa, se entretanto não apareceres por aqui...
E um abraço ao que se lê Joe, Joe! :)