PARTE 3: UM FINAL FELIZ
Como é que me fui esquecer do passaporte? Que estupidez. E o
gerente - ele também se devia ter lembrado. Chegou a voltar atrás para ir
buscar um cartão de visita. Como é que nos esquecemos disto?
Várias questões e culpas dançavam na minha cabeça, enquanto
a minivan prosseguia estrada fora, como se nada de especial tivesse acontecido.
Tinha-me esquecido do passaporte em Magwe. Ainda ponderei
mandar a minivan parar, com grande drama e banda sonora, efeitos especiais, o
que se espera de uma situação assim. Mas para quê. A minha entrada já tinha sido
"à herói" - o que seria. Além de que não ia resolver nada, ficar
parado algures no meio do Myanmar.
Telefonei para o hotel, para confirmar que o passaporte
ainda estava lá. O senhor da recepção, de tão nervoso, já trocava o inglês e o
birmanês e sabe-se lá que idiomas há muito esquecidos.
"Keep the passport in the hotel", repeti várias
vezes. "Keep it there, que eu estou quase a chegar a Bagan e já encontro
uma solução."
E assim aconteceu.
Cheguei a Bagan pouco depois da uma da tarde, já o Kyaw Kyaw
(lê-se Joe Joe) me esperava com o tio, que tem um carro. Em Bagan não posso
andar à pendura com um local, por isso em algumas deslocações não há muito por
onde fugir ao táxi. Regras.
"My friend... não imaginas o que me aconteceu."
Expliquei tintim-por-tintim o sucedido. Devagarinho, para
ser bem entendido. E depois descrevi aquela que achava ser a melhor solução. O
Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) debateu estratégias e alternativas com o tio, fizeram
contas de cabeça, consultaram o horóscopo, olharam para as estrelas e molharam
o indicador para ver de que lado vinha o vento ;) e fizeram uns telefonemas.
Pouco depois, tudo parecia encaminhado.
O gerente do hotel em Magwe ia entregar o passaporte ao driver da minivan que saía às três da tarde. Nessa altura ligavam-nos para
ficarmos com o número de telefone do driver.
E depois era ter paciência - e esperar. A minivan chegaria a Bagan,
teoricamente, às seis da tarde. Se tudo correr bem: com o meu passaporte.
"Isto era o destino a dizer que devias ter vindo na minivan das três", disse-me uma
vozinha vinda sabe-se lá de onde.
Está calada, vozinha vinda sabe-se lá de onde. Isso faz
algum sentido.
Quase duas da tarde. Tinha quatro horas até à minivan. E não
podia fazer check-in em hotel algum, porque sem passaporte não há quarto para
ninguém. Fui com Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) para casa dele, reencontrei a Win
Win (a mulher dele), a São (a filha de nove meses), o Zé e o Tun (irmãos mais
novos da mulher), e a avózinha de 95 anos que é uma delícia de senhora.
Passámos duas horas a trocar histórias e a sorrir uns para os outros, depois
fui à margem do rio beber um sumo de cana do açúcar com o Kyaw Kyaw (lê-se Joe
Joe), e ainda parámos para eu fazer umas fotografias num mosteiro ali ao lado, onde
os monges estavam a cortar lenha para dar aos peregrinos, em agradecimento aos
donativos destes.
Quatro horas. Passa a correr.
Voltámos ao ponto onde a minivan das dez me deixara. E onde
ia encontrar a das três. Sentámo-nos a beber um café e a comer umas
espetadinhas de frango deliciosas. Na televisão passava um antigo filme
birmanês que parecia um remix muito especial do Indiana Jones com um clássico
de Bollywood que não vale a pena agora explicar.
Seis e oito: nada.
Seis e treze: nada.
Seis e dezassete: olha só quem chegou.
Era a minivan. E o
driver da minivan. E o passaporte, dentro de um envelope, na mão estendida do
driver da minivan.
Como se diz na Índia: tudo está bem quando acaba bem... e se
não está bem, é porque ainda não acabou. Eu, por mim, estou bem. E dou por
terminada esta aventura. Quero um duche, quero jantar, quero cama. Amanhã é
outro dia. Outras histórias. Fui.
2 comentários:
adoro a forma como escreves; fiquei a pensar como seria aquele que se lê joe joe e toda a história de molhar os dedos para ver de onde vinha o vento; costumo referir-me a ti como um viajante mas agora vou acrescentar que és um contador de histórias, um incrível contador de histórias.
tudo de bom para ti
TKnapic
Sim, já o disse várias vezes, um grande contador de histórias!!!
Jorge, uma Feliz Páscoa, se entretanto não apareceres por aqui...
E um abraço ao que se lê Joe, Joe! :)
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