Acordo com o telefone a tocar.
O sol a bater-me na
cara. Sinto o pescoço e as costas encharcados em suor. O cubículo onde estou a dormir não tem ar condicionado e a cama fica mesmo ao lado da
única janela. Que horas serão. Como é possível conseguir dormir assim. Que calor.
O telefone.
Resmungo com o mundo e estico-me para pegar no telefone. Faço um esforço para ver o nome de quem me está a ligar. Estou sem óculos. É um número. Não faço ideia quem seja. É um número local. Atendo.
"Xhjgadbewruh!", dizem-me do outro lado.
Não percebo nada. Sento-me na cama, sinto a língua colar-se ao céu da boca, os braços suados, o pescoço a arder.
"Who's speaking?", pergunto e instintivamente
olho para o relógio.
Oito da manhã.
"Fwuqisdnoufdr."
"Fwuqisdnoufdr."
Oito da manhã?! A hora que tinha combinado com o moto-taxi,
para ir dar uma volta pelos arredores de Magwe.
"Oh... oh... eh... sorry, sorry... eh... I fell asleep!", grito
enquanto me levanto num salto e começo a vestir-me à pressa. Desorientação. E o driver não fala inglês.
"Zkgiaskbserh!"
"One
minute! One minute!", e assim que estou minimamente apresentável, saio e desço de-dois-em-dois os degraus até à recepção do hotel. Mesmo à
porta vejo a mota e o respectivo driver,
que me sorri com ar de olha-me-este-tonto.
Explico-lhe por gestos e gatafunhos que me deixei dormir,
"give me five minutes, ok?", e volto para o quarto. "Five minutes!", e lavo a cara e
esfrego-me na toalha meio a correr, e o duche fica para depois, com mais calma, quando
voltar ao final da manhã.
O meu plano:
1. ir ver uma espécie de vulcão de lama e a "paisagem lunar em redor", segundo o lonely planet, algures não-muito-longe desta terrinha chamada Magwe.
2. voltar ao final da manhã para o hotel e sair no autocarro da hora de almoço para Bagan, onde devo chegar ao final da tarde.
1. ir ver uma espécie de vulcão de lama e a "paisagem lunar em redor", segundo o lonely planet, algures não-muito-longe desta terrinha chamada Magwe.
2. voltar ao final da manhã para o hotel e sair no autocarro da hora de almoço para Bagan, onde devo chegar ao final da tarde.
Arrancámos.
Atravessámos a longa ponte sobre o
Ayeyarwady, mais algumas aldeias e mosteiros... e lá chegámos a um lugar cheio de
lojas e gente e carrinhas-gaiola. Tudo a olhar para mim. Um estrangeiro, fora do circuito clássico Yangon-Mandalay-Bagan-Inle, é ainda alvo de muita curiosidade na Birmânia.
O tal vulcão de lama é hoje mais um lugar de peregrinação, com templos e altares e estátuas de
buda, estátuas de nagas, estátuas dos nat (os espíritos que os birmaneses
temem). Os peregrinos sorriam-me enquanto eu avançava em direcção do pequeno monte. E lá no topo encontrei pessoas a rezar e a cantar, de cada vez que uma bolha surgia
na lama cinzenta. Dizem que vive um dragão ali dentro.
A paisagem lunar: ok, eu entendo a comparação. Mas menos.
Adiante: despachámos o vulcão em dezoito ou dezanove
fotografias e voltámos para a estrada. Ainda parámos algures para um cafézinho à beira da
estrada, tentei meter conversa mas o rapaz não falava uma palavra de inglês:
"What's your name?"
"Yes.", a rir-se.
Ok.
E, curiosamente, ainda rimos a ver fotografias no telefone
um do outro. Inglês para quê.
Quando voltámos para Magwe, ainda me levou a um pagoda igual a tantos outros pagodas,
mas com uma vista maravilhosa sobre o rio. E quando finalmente chegámos ao
hotel, eram apenas dez-e-dez. Bem mais cedo do que eu estava à espera.
"Se te despachares ainda consegues ir na minivan das
dez e meia," disse-me o gerente do hotel. E eu, que não tinha muito mais
para fazer além de esperar, achei que era preferível uma
corridinha e sair mais cedo. Dois-a-dois, os degraus. Mala feita a correr.
Último check. Não está nada no quarto.
Desci.
Dez e vinte! O gerente já tinha explicado ao driver o que eu queria. Eu já tinha pago
o hotel. Entreguei-lhe a chave. Sentei-me na mota. "Wait a second!", e foi o gerente a correr à recepção buscar um cartão de visita. Vrrruuuummmm... lá fomos pelas ruazinhas ladeadas de árvores
gigantescas.
Já alguma vez disse aqui que adoro árvores? Gosto muito, mesmo. E as da Birmânia:
gigantes, todas retorcidas, muito bonitas.
Dez e vinte e oito.
Chegámos. Seguimos directos à agência que trata das minivan para Bagan. Atirei-me
para o balcão e esperei com um sorriso que o rapaz à minha frente desligasse o telefone.
"I want to go to Bagan, please."
"A próxima minivan sai às três da tarde, demora três
horas, chega às seis". E aponta para a carrinha parada em
frente.
O quê?! Às três? Mas... mas disseram-me...
Enfim: faço um
choradinho, explico que me foi dito que era possível ir mais cedo, ele então
aponta para uma carrinha-gaiola e informa-me que aquela sai à uma da tarde.
Faço um ar de quem tem MESMO de ir para Bagan. Agora.
"E não há nada mais cedo?"
Ele
começa a falar ao telefone, com ar de quem se está nas tintas para mim. Respiro
fundo, não quero parecer impaciente, há que dar tempo ao tempo. Alguma coisa
há-de acontecer.
Desliga o telefone.
"Oiça lá, e não há outra agência com um transporte que saia
agora? Disseram-me que saía uma minivan
às dez e meia, outra às onze e meia..."
O telefone toca. Ele faz-me sinal para estar sossegado.
Atende.
Que nervos.
São dez e trinta e cinco. Eu sei que no plano inicial eu só me ia embora à uma da tarde. Mas, no plano inicial, eu ficava no hotel o resto da
manhã, tomava banho, fazia tudo com calma. Agora estou na estação, já com a
sensação de ter viajado o dia todo, nem um duche tomei, e na melhor das
hipóteses tenho duas horas e meia de espera para ir enfiado numa gaiola, durante quatro horas, que terror. Ou então vou na minivan das três (daqui a quase cinco
horas) e chego às seis ao meu destino.
Os dramas de um viajante. ;)
"Ok," diz-me o outro quando desliga o telefone.
Ok - o quê?
"Ok. Saiu uma minivan às dez da manhã, consegui falar com o
driver e ele está neste momento parado na estrada, à tua espera. Mas tens de te despachar. Tens de ir de mota até lá. Queres?"
Adoro a Birmânia.
Ou, como diria um amigo da Guiné Conacri:
"C'est l'aventure!"
E a segunda parte fica para daqui a pouco, que tenho de ir ali dar uma volta e estalar os dedos num instante.
2 comentários:
Queremos mais, não demores :) :) :)
Nas tuas quintas... Com o suspense!!! ;)
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