Arranca hoje a primeira edição da viagem à Birmânia com um
grupo Nomad. Ou seja: já estou em Yangon... e hoje passo o dia no vai-vém do
costume, entre aeroporto e hotel, para receber as dez pessoas com quem vou
viajar nos próximos doze dias.
Mas antes de "recomeçar" a volta pelo Myanmar,
quero recordar aqui um dos momentos mais insólitos destas primeiras duas
semanas. Aconteceu na viagem entre Nyaung Shwe (nas margens do lago Inle) para
Bago, já quase a chegar a Yangon.
Mas recuemos um pouco mais, só para nos situarmos melhor. A última
vez que conversámos aqui no blog (sem contar com o "post-desvio" sobre o Breaking
Bad e o meu desabafo de ontem sobre o cansaço e as dores de cabeça), estávamos
em Bagan, perdidos entre templos e budas. De Bagan ainda fomos espreitar o Monte Popa; e
depois fomos para o Lago Inle, onde passeámos de barco, de bicicleta e a pé. E
porque o tempo começava a escassear, voltámos então para Yangon - mas decidimos parar
em Bago e fazer um "desvio rápido", para visitar a Rocha Dourada.
Ok: estamos situados? ;)
O "tal" momento - esse insólito que não me vou
esquecer tão depressa, aconteceu no autocarro que nos levou de Nyaung Shwe para
Bago. Aliás: o insólito é mesmo o próprio autocarro.
Estávamos sentados à espera do High Class Air Condition Express da Golden Shuttle (assim se
chamava a transportadora) quando aparece ao virar da esquina um autocarro que
de dourado não tinha nada. Para ser sincero, nem me lembro da cor. E quando
escrevo que "de dourado não tinha nada", estou a ser literal. Nada de
segundos sentidos e interpretações. O autocarro até tinha bom aspecto, tendo em
conta a amostra que tivemos nestes primeiros quinze dias. Mas dourado: não era.
E por dentro: dourado também não vi. Mas vi muito
côr-de-rosa.
Como descrever o cenário?
Numa fotografia não cabe tudo. Pormenores, talvez. Mas nunca o cenário geral. E descrever por palavras... a sério, é difícil. Mas vou tentar.
Por fora: um autocarro aparentemente normal. Mas antes de
entrar, reparei logo num pormenor curioso: no vidro da porta havia um
autocolante do Mister Bean em tamanho real, a espreitar com ar de quem fez, ou
de quem está prestes a fazer... uma traquinice. É mesmo essa a expressão.
E que traquinice.
Entrei no autocarro, sorrindo para o Rowan Atkinson como se
fossemos velhos amigos... subi três ou quatro degraus... e tive de me conter
para não me desatar a rir, assim que me vi no corredor. O cenário era
dantesco... se é que se pode aplicar esta expressão a uma decoração inspirada
em restaurantes chineses, um palácio da corte do Louis XIV e o quarto de uma
adolescente japonesa. Tudo no mesmo espaço.
Os assentos castanhos a imitar couro tinham uma cobertura com
motivos florais clássicos e uma espécie de losângulos, azuis e dourados; e no
encosto para a cabeça havia uma espécie de renda branca com laçarotes azuis.
Havia ainda uma almofada para as costas, presa por um elástico à volta do
assento, com o nome da companhia e contactos impressos.
Cada assento tinha ainda uma almofada para o pescoço,
daquelas que dão-a-volta - em xadrez azul e branco com folhos amarelo-torrado.
E cobertores côr-de-rosa, alguns com Hello Kittys, outros com flores, outros
com corações.
Não vi nenhum com a Barbie. Mas não me chocaria, se
houvesse.
As cortinas. Quantas cortinas e cortinados, folhos e
berloques. Perdi a conta.
As cortinas "principais" tinham paisagens
tropicais desenhadas, com palmeiras e rios e aldeias, alguns motivos agrícolas,
vulcões ao fundo, pássaros a voar, nuvens e cascatas. Pareciam aqueles quadros
dos restaurantes chineses em Portugal. A rematar, por cima da cortina: uns
folhos com desenhos de cegonhas e motivos marinhos. E ainda!, um rendilhado com
motivos tipo Louis XIV, além de um rebordo final com andorinhas. Já estou tonto
com tantas cores e padrões e estilos... ;)
Mas ainda não acabei.
Na "prateleira" onde se arruma a "bagagem de
mão", por cima dos assentos: mais dois "níveis" de cortinados e
folhos: o de baixo com motivos florais ao estilo pós-impressionista de um Van
Gogh; o outro era um rendilhado clássico com berloques pendurados.
A forrar o tecto central e as paredes de todo o autocarro:
um almofadado impresso com rosas e outras flores, muito ao estilo dos sofás que
a minha avó costumava ter em casa, quando eu era pequeno.
Ainda no tecto: duas fileiras de luzes brancas, acesas
apenas quando o autocarro estava parado, em que o vidro parecia
"estilhaçado", mas não porque estivesse estragado - era mesmo assim, era
o estilo.
No tecto por cima dos bancos, além do aparato do costume com
os botões e as rodinhas do ar condicionado, havia luzes amarelas e verdes ao
longo de todo o veículo - ficaram acesas toda a noite, mesmo depois de se
apagarem todas as outras. E onde não havia luzes ou botões e o ar condicionado,
o espaço livre era ocupado com espelhos.
À frente, no centro, havia um LCD enorme com peluches
pendurados. Felizmente não foi utilizado durante a viagem - mas isso não quer
dizer que tenhamos ido em silêncio. Durante TODA a noite houve música romântica
birmanesa a tocar. E não era um sonzinho de fundo. O volume ia quase no máximo
- mas só durante a primeira hora, porque depois de uma breve paragem para
jantar, um turista português que deve ter a mania que é esperto foi lá pedir
para baixarem o volume... so um bocadinho... é que está muito alto... pois: eu.
;)
Resultou. Baixaram o volume, apesar de mesmo assim ainda
estar mais alto do que gostaríamos. Menos mau - antes assim que "aos altos
berros". Acabei por usar uma técnica já experimentada nesta viagem: papel
higiénico. Bem enroladinho, dá uns excelentes tampões para os ouvidos.
Voltando ao aparato dentro do autocarro: todos os lugares tinham,
como já é costume no Myanmar, uma garrafa de água e um saquinho para o enjoo. É
que as meninas birmanesas, como as indianas e outras asiáticas, são muito
frágeis e vomitam com facilidade, quando viajam de autocarro. E esta viagem não
foi excepção. Aliás: muito perto dos nossos lugares, uma miúda passou a noite a
vomitar, e a tentar vomitar, e quase a vomitar... enfim, um festival de sons e
cheiros, só atenuado pelo papel higiénico nos ouvidos e um bocadinho de Tiger
Balm no nariz.
Foi, sem dúvida, uma noite "bué especial". Já fiz viagens piores. Bastante piores. Mas nunca tão
fofinhas.
2 comentários:
Olha que crónica, também ela tão colorida e fofinha!
Quanto ao autocarro, que grande estilaço!!!
Esta piroseira é fofinha de tão pirosa que é! :)
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