13/01/2015

EU TAMBÉM SOU CHARLIE

Há uma semana que não escrevo nada aqui.

E não é por acaso.

Quando no dia sete arrancou a maratona de breaking news sobre o ataque à redacção da Charlie Hebdo, escrevi um primeiro texto - ainda em estado de choque - para, à minha maneira, exprimir o horror que estava a sentir por aquilo que estava a acontecer. No entanto, circunstâncias várias não me deixaram terminá-lo logo e, a cada dia passado, o que tinha escrito ia ficando, de certa forma, ultrapassado. Escrevi um segundo texto, quando ainda estavam os terroristas barricados com reféns... mas também esse deixou de fazer sentido quando aconteceu-o-que-aconteceu.

Resolvi "deixar poisar", portanto.

Nem sei bem porque é que sinto que, uma semana depois, devo escrever seja-o-que-for sobre o assunto, aqui neste meu blog de viagens. Provavelmente já foi tudo dito e analisado, inevitavelmente pouco tenho a acrescentar. Além disso: valem-o-que-valem, as minhas palavras e aquilo que sinto. Mais um na multidão.

E, no entanto, não posso deixar de escrever alguma coisa. É mais forte que eu. Porque gosto de me exprimir assim. E porque nesta "fase do campeonato" é importante fazer ouvir as nossas vozes, mesmo que se percam no meio de tanto ruído e ecos.

Porque há quem prefira Silêncio - há quem queira impôr Silêncio. Um cinzento, estéril, moribundo Silêncio. Este ataque tem tudo a ver com isso. Sendo assim: não posso deixar de me exprimir.

Eu sei que este é um blog de viagens - das minhas voltas, principalmente. Mas mais do que isso, o fui dar uma volta é um blog de encontros. Onde partilho histórias de lugares e de pessoas, onde transmito (ou tento transmitir) a beleza e o desafio que há na diversidade. Se não fosse assim, porquê viajar?

Assumo o choque, o nojo, o absoluto desprezo.

Charlie Hebdo. Posso concordar e posso discordar. Posso não me interessar especialmente. Posso indignar-me. Posso gostar, ou considerar de mau gosto, ou até abominar. Mas enquanto não incitar ao ódio e ao sangue, explosões, tiros e medo: palavras são palavras. E na sociedade em que (acreditamos que) vivemos, este é um valor que nos habituámos a respeitar. Mesmo que haja alguma hipocrisia nisso (mas isso são outras questões).

Como escreveu Salman Rushdie num artigo de opinião no The Wall Street Journal, "as religiões, como todas as outras ideias, merecem criticismo, sátiras e, sim, o nosso destemido desrespeito."

Concordo.

E quanto mais voltas dou, mais concordo. À medida que viajo e conheço outras culturas, ganho respeito... e sentido crítico também. Simpatia. Repugnância. Curiosidade. Pragmatismo. Orgulho. Receio. Que colorida paleta de emoções e sentimentos, estes que se alimentam quanto mais se conhece.

Pessoalmente: tenho a felicidade de ter amigos de todas as religiões e backgrounds sociais, de várias etnias, orientações sexuais, políticas, desportivas. E porque provavelmente ao longo do caminho ganhei resistência e distância aos Intolerantes, sorrio ao perceber a sorte que tenho em rodear-me, na maior parte das vezes, de pessoas que normalmente tanto elogiam como criticam, que dizem piadas, que conseguem ser sarcásticas, ou cépticas, ou até de terem algum saudável constrangimento. Somos humanos. E a verdade é que, por me sentir à vontade com pessoas assim, quanto mas me sinto próximo de um grupo, mais me sinto à vontade para o abraçar - e também para o criticar, ou para fazer algum trocadilho, ou até para criticar.

Eu: à minha maneira.

Os outros: cada um à sua. Incluindo com humor.

E que mundo triste, aquele em que já não houver espaço para o humor.

Que mundo triste, aquele em que o silêncio for a regra, onde a maravilhosa sinfonia das nossas vozes e das nossas diferenças seja silenciada em nome seja-lá-do-que-for.

Sou Charlie, diziam este fim-de-semana milhões de cartazes pelo mundo fora. Somos, é verdade. Não necessariamente na forma como exprimimos as nossas opiniões, não necessariamente no gosto musical, nas cores políticas, no estilo de roupa que usamos, na comida que gostamos. Mas na defesa do direito à diferença, e à expressão dessa diferença.

Não somos Charlie por gritarmos todos no mesmo sentido, cegos, já agora de mão direita levantada. Somos Charlie por podermos gritar na direcção que nos apetecer, aquilo que quisermos. Por respeitarmos a voz do outro, mesmo que não nos agrade.

Começou mal, o Ano Internacional da Luz. Mas dizem que há quem escreva direito por linhas tortas, e eu acrescento que há quem escreva torto por linhas direitas.

Isto há-de recompor-se. Com voltas e reviravoltas, com passos ao lado, passos atrás, passos à frente. Eu acredito que sim - tenho de acreditar. Com buracos na estrada e com lombas, curvas e contracurvas, semáforos, operações STOP. Mas o caminho faz-se, que remédio, apesar de tudo esta é a fatalidade mais bonita: a Vida.

2 comentários:

LV disse...

Se tivesse de dar uma nota seria sem dúvida alguma Muito Bom + :)

Clara Amorim disse...

Eu daria Excelente! :)
Adorei...!