21/11/2014

AS VOLTAS DOS OUTROS #01

UM DIA DE ALTOS E BAIXOS

“Nem sei como lhe agradecer a sua generosidade” disse eu na esperança que ela entendesse o que estava a dizer. Ela abanava a cabeça em sinal positivo. Fiquei mesmo feliz, gostava que houvesse mais pessoas como esta nepalesa pelo mundo fora, não por me estar a dar algo que precisava mas por serem genuínos e por ajudarem quem precisa.

Tinha de saber o seu nome e quando ela mo disse fiquei boquiaberto com tamanha coincidência, “My name is Tuga*” disse-me ela. Eu sorri, sabendo que por mais que tentasse explicar ela não iria compreender. Agradeci mais uma vez: Dhan ya bad e fui-me embora.

Mas este dia tinha começado há mais de nove horas, começou bem cedo, perto das 2h30m quando o despertador tocou como um martelo na minha cabeça. Estava frio, muito frio. Vesti quase toda a roupa que tinha: uma camisola daquelas que retêm o calor, uma sweat shirt fininha, uma sweat de capuz, um polar e um casaco resistente ao vento. Vesti ainda duas calças, dois pares de meias um gorro e os dois capuzes na cabeça.

Às 3h15m depois dum pequeno-almoço quente começamos a subir. Fomos os primeiros a iniciar a subida. Não se viam luzes, nem nada para cima, apenas para baixo se viam algumas luzes do acampamento onde ficamos. De resto apenas as nossas lanternas na cabeça iluminavam os nossos próximos passos. 

O céu estava lindo! Estrelas por todo lado e a brilharem imenso. Sem nuvens! Um céu como nunca vi. Aliás tão perto nunca estarei das estrelas. Cada vez que parávamos para descansar e recuperar o fôlego eu ficava a olhar para cima. Sim recuperar o fôlego. É que neste dia estávamos a fazer a parte mais difícil e interessante deste trekking de 18 dias à volta do Annapurna. Estávamos a subir dos 4.500m de altitude onde tínhamos passado a noite, em Thorung Phedi, para os 5.416m, na mais alta “passagem de caminhada” do mundo - Thorung La.

A subida era muito íngreme mas ia-se fazendo mais ou menos bem. O frio continuava a apertar mesmo estando a subir e fazer exercício os meus pés pareciam um bloco de gelo. Comecei a aquecer quando o dia começava a nascer e as vistas começavam a aparecer. Um cenário fantástico, com vários picos nevados a cercarem-nos por todos os lados e com aquela cor vermelha que só um nascer do sol pode colocar numa montanha. Lindo! Continuamos a subir e passando os 5.000m as dificuldades de respirar aumentaram o que é perfeitamente normal. Comecei a andar mais devagar. Aproveitava para apreciar a vista com o sol a subir por trás de mim.

Às 7h15m atingi o topo. Cheguei aos 5.416m de altitude, a Thorung La. O maior local onde alguma vez estive e provavelmente onde estarei na minha vida, pelo menos pelos meus pés. Um local marcado pelos chörtens** e pelas dezenas de bandeiras de oração budistas, como se de uma meta se tratasse. Uma placa dava os parabéns a todos que lá chegam. Acho bem, pensei eu. Custou-me cá chegar! Mas consegui. Mais uma coisa que definitivamente marca esta viagem.

Mas se a subida foi difícil o que eu não esperava era pelas dificuldades que se seguiram na descida!

Tinha lido no guia da Lonely Planet que seria difícil, de qualquer forma não esperava que fosse tanto. O guia definia a descida como: “ Knee-busting and sometimes slippery 1.600m descent to Muktinath (3.800m)”. Ou seja, e traduzindo literalmente para bom português: uma descida de 1.600m de altitude que te vão rebentar os joelhos todos, ah e ainda por cima escorregadio às vezes!

Passados trinta minutos já os meus joelhos se estavam a queixar. A certa altura estava a andar tão devagar que disse ao guia e ao Jorge para seguirem que eu chegaria lá ao meu ritmo. Uma descida realmente muito difícil e tal e qual como o guia a descrevia.  Passadas cinco longas e dolorosas horas, lá cheguei a Muktinath.

Aqui aconteceu o episódio mais curioso de todos e daqueles que recordarei para sempre: estava eu a caminhar meio de lado em esforço e uma senhora Nepalesa vira-se para mim e num inglês um pouco mal amanhado diz-me para me sentar. Olhei para ela e sentei-me ao seu lado. Ela sorria. Eu tinha uma cara mais de sofrimento provavelmente.

Ela pergunta-me se estou cansado. Eu respondo que não.

De facto e surpreendentemente, apesar das nove horas a andar não me sinto cansado, apenas tenho dores nos joelhos. Aponto para os joelhos e digo que me dói. Ela sorri, levanta a perna direita das calças e mostra-me uma ligadura à volta do joelho. Nesta altura sorrio. Ok temos os dois a mesma maleita penso eu.

De repente ela abre a mala e tira uma pomada. Diz-me que devo pôr isto. Olha para a pomada e a única coisa que percebo é que é Anti-inflamatória e analgésica, tudo o resto está escrito em Nepalês. Pergunto onde posso comprar e ela responde-me que posso ficar com esta. Pergunto quanto quer pela pomada e ela responde-me que não quer nada, que é um presente (my gift), como ela o disse.

Fiquei para aí uns dois ou três minutos sem dizer nada. Estupefacto. Estará esta coincidência a acontecer mesmo, ou por causa da altitude estou a delirar, pensei eu. Depois não sabia o que dizer, apenas agradeci imensas vezes e tentei dizer-lhe o quanto aquilo significava para mim. Espero sinceramente que ela tenha percebido.

E depois como a cereja no topo do bolo das coincidências quando lhe pergunto o nome, responde-me: Tuga!!! Confesso que me arrepiei! E fiquei a pensar nisto durante as próximas horas.

E se quando há uns tempos atrás numa entrevista na Rádio de Macau me perguntavam se as pessoas eram boas no geral eu respondi sem dúvida que sim, agora ainda mais. Tenho a certeza disso!

*Provavelmente o nome da senhora não se escreve assim. Mas o som é exactamente esse.

**Chörtens são monumentos religiosos, normalmente feitos de pedras que por vezes contem relíquias sagradas e muitas vezes, tal como vi no Tibete e no Nepal apenas um monte de pedras simbolizando uma Stupa ou seja local de oração Budista.

3 comentários:

Daniel Silva disse...

Nós (robalodacosta.wordpress) atravessámos Thorung La no dia 4 de Novembro e havia muito mais neve do que se vê nas tuas fotos. A descida então foi terrível: eu espalhei-me 3 vezes! Quando é que tu atravessaste Thorung La?
É bom saber que há mais Portugueses a fazer o circuito. Num chek-post, acho que em Dharapani, tinham umas estatísticas e no ano passado só 3 Portugueses é que fizeram o circuito. Este ano já fomos pelo menos 3 também :)

Anónimo disse...

Em Novembro de 2010 fiz esse percurso. A descida é mesmo o inferno ;)

Rui Magro Correia
http://instagram.com/ruipvmcorreia

Clara Amorim disse...

Esta primeira volta começou da melhor forma!!!