Depois dos dias passados em Bangkok, no arranque das minhas férias, regressei então ao Myanmar. Foi a segunda de quatro passagens por este país, em 2015 (as restantes aconteceriam mais para o final do ano, com grupos de viajantes da Nomad).
É curioso: nos quinze dias que aqui estive, passei a maior parte do tempo a explorar sítios onde nunca tinha estado, a deslumbrar-me com o potencial deste país, desta cultura, destas pessoas... e, no entanto, o dia que mais me marcou foi um dos que passei com o meu amigo Kyaw Kyaw (lê-se Joe Joe) em Bagan, um lugar que tão bem conheço.
15 DIAS DO ANO 15
(04) UM DE ABRIL
Depois de visitar Pyay e Magwe, fui finalmente ter com o Kyaw Kyaw (isso mesmo, lê-se Joe Joe) a Bagan. Tinha-lhe prometido uma visita sem grupo, de maneira a estar mais disponível para mais do que apenas os passeios pelos templos.
O primeiro dia em Bagan foi passado em família. Almocei em casa dos sogros do meu amigo, ali passei a tarde, soube bem sentir-me assim bem-vindo, quase como se estivesse em casa. As amizades em viagem são algo que prezo, seja pela minha própria natureza, seja pelo facto de voltar várias vezes aos mesmos lugares. E Kyaw Kyaw, que conheço há apenas três anos, já é sem dúvida um Bom Amigo.
Continuando: depois desse programa em família, o segundo dia começou logo com um colorido especial. Ainda antes do Kyaw Kyaw (aka Joe Joe) aparecer no hotel, estava eu a preparar-me para sair quando ouvi uma espécie de algazarra na rua: música, gente a falar alto... o som de uma festa.
Quando saí, deparei com uma colorida procissão liderada por elefantes decorados a rigor, homens mascarados de criaturas mágicas, rapazes todos enfeitados, sentados numa espécie de tronos, montados em cavalos, carroças e até elefantes.
Mais tarde, fiquei a saber que o evento precedia a entrada dos rapazes nos mosteiros. Simplificando um bocadinho a coisa: são tratados como príncipes, por um dia, antes de abdicarem de uma série de confortos para serem noviços por algum tempo.
Um dia que começa assim tem de ser um Dia Bom. ;)
Depois do pequeno-almoço, o Kyaw Kyaw desafiou-me a atravessar o rio e ir explorar o outro lado. Deixei a minha e-bike junto ao cais e meti-me com ele (e a mota dele) num pequeno barco a motor, juntamente com mais algumas pessoas. Atravessámos para a outra margem, fizemos descer a mota e lá fomos.
A margem oeste do Irrawaddy é mais inóspita do que aquela onde fica Bagan, com algumas aldeias numa paisagem bem mais deserta, com muito menos pessoas - e, note-se, este dia que hoje descrevo é no início de Abril, ou seja: no "pico do calor". A vegetação estava, em geral, muito seca. Não se via água em lado nenhum. O próprio rio estava muito "recuado". Não se via viv'alma na rua.
Com o ar quente a bater no rosto lá fomos de mota por trilhos e caminhos, até que chegámos a uma aldeia perto da margem do Irrawaddy. O Kyaw Kyaw mandou-me desmontar e entrámos numa espécie de mercearia, onde fui apresentado a amigos e familiares. Eu era, para muitos, o primeiro estrangeiro que conheciam. Depois atravessámos a aldeia, com alguns miúdos à nossa volta, curiosos com este "cara pálida" que hoje os visitava num dia de tanto calor - e fomos parar quase-quase à beira de uma ravina, a uma pequena casa de cimento com uma vista privilegiada sobre o rio.
"My sister's husband house."
E entrámos. Cinco miúdos fizeram uma tal festa que chamaram logo a atenção da mãe, que estava a lavar roupa a uns cem metros de casa. Veio sorridente ter com o irmão (o Kyaw Kyaw) e ali passámos o resto da manhã, entre conversa e traduções, muitos sorrisos e fotografias, tanta curiosidade.
Acabámos por ir almoçar a uma tasca local junto a um mosteiro - eu, o meu amigo cujo nome se lê Joe Joe, e um amigo dele com um nome que soava a Xico. Depois subimos os três a montanha (de mota) e levaram-me a um templo igual a tantos templos no Myanmar, mas com uma vista espectacular sobre o rio e os templos de Bagan. Incrível.
A meio da tarde começámos a viagem de regresso. Com tantas paragens e desvios, nem tinha dado pela distância percorrida. Estávamos relativamente longe. Ainda parámos numa casa de chá, ao final da tarde, para refrescar um pouco - e já o sol descia no horizonte quando atravessámos o rio de volta para Bagan. Peguei na e-bike e fui com o meu amigo para um pequeno templo no vale, onde nos sentámos a contemplar a paisagem. Que lugar único, Bagan - é impossível não nos sentirmos "esmagados" aqui.
À noite jantámos em família. E quando me deitei, sentia o coração e a alma cheios.
Depois de Bagan ainda desci para o sul da Birmânia, onde fui conhecer (e apaixonar-me por) Hpa-An e Mawlamyine. Mas curiosamente, por muito que tenha adorado cada dia desta viagem, e cada lugar, e tenha uma vontade enorme de voltar aqui e ali... a verdade é que foi em Bagan, um lugar que já conhecia, que tive o dia mais marcante desta passagem pelo país.
E aqui se levanta uma questão recorrente em Viagem: mais que os lugares, que os monumentos e as paisagens... são as pessoas que encontramos pelo caminho, os amigos que fazemos, os sorrisos que partilhamos. Esta Geografia das Amizades é mais importante que Lonelyplanets e Tripadvisors, que mapas e atlas e GPSs. São os amigos, os gestos, as surpresas, as conversas, os detalhes. E por isso o primeiro dia de Abril não podia faltar nesta selecção de quinze dias de 2015.
1 comentário:
Lembro-me bem do Kyaw Kyaw, aka Joe Joe...!
E que bela crónica nos enviaste...!
😊😊😊
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