Hoje foi um dia desses.
Não tenho aventuras fantásticas nem bollywoodescas peripécias para partilhar, hoje: não fui perseguido por uma matilha de cães raivosos, não fui convidado para o casamento de um marajá com uma actriz de cinema indiano, não fui raptado por bailarinas exóticas na sua limousine côr-de-rosa, não salvei nenhuma criança de ser pisada por um elefante descontrolado. E, no entanto, foi um dia Bom. Fartei-me de passear: ora de mota, ora a pé, sempre com uma ameaça de chuva em cima, cinzenta e pesada - mas incapaz de me roubar o sorriso que, sabe-se lá porquê, teimou em acompanhar-me o dia todo. Que coisa chata, esta. ;)
Não fiz nada de especial? Claro que fiz. Só depende da perspectiva. Hoje assumi a minha condição de turista e visitei um palácio que é um museu, que tem mil portas e um candelabro gigante oferecido pela rainha Vitória, estátuas egípcias e quadros otomanos, tronos de marfim e prata, armas que não lembram nem ao diabo, espelhos mágicos, porcelanas raras, relógios europeus e manuscritos árabes, carruagens puxadas por camelos - estes nawab (os marajás cá das redondezas) viviam bem, sem dúvida. Pena não se poder tirar fotos lá dentro, tive de deixar máquia e telefone à entrada. Mas fica na memória. Da mesma forma como não esquecerei a curiosidade e preocupação de três indianos, que depois de algumas abordagens mais tímidas não resistiram a acompanhar-me na visita ao gigantesco edifício - apesar de não falarem mais que meia dúzia de palavras em inglês. Mas lá nos compreendemos. É que se há coisa que custa a muitos indianos compreender, é uma pessoa sozinha a viajar. Alguns ficam mesmo com pena, acham-se na "obrigação" de nos entreter. Ou seja: ao fim de quinze minutos no Hazardwari, passei a ter uma escolta de três. E, claro está, no final houve sessão de selfies e trocas de contactos.
Diz o Lonely Planet que em Murshidabad, antiga capital do Bengal nas margens do rio Bhagirathi, mistura-se a vida rural com a arquitectura do século XVIII - e diz muito bem. Aqui reside a verdadeira surpresa deste lugar: no meio do "nada", entre casas de colmo com bosta aplicada nas paredes, vaquinhas a pastar em campos de erva, pequenas florestas cheias de esquilos... de repente aparecem palácios e grandiosos portões.
E foi isso mesmo que mais gostei no dia de hoje: o ambiente. É verdade que andei de ruína em ruína, visitando antigas mesquitas e palácios delapidados - mas confesso que os must-sees foram principalmente uma desculpa para passear. Chamemos-lhe referências - apenas isso. Porque pelo meio passei por aldeias e ruas-fantasma, fiz a barba numa barbearia muito castiça, cruzei-me com sorrisos por todo o lado, olhos esbugalhados de surpresa, "um turista aqui!", e fui abordado por pessoas genuinamente curiosas com a novidade. Estes entretantos, entre uma mesquita e um palácio, entre um cemitério e uma muralha - estes entretantos é que fizeram o dia. Felizmente apanhei muito pouca chuva - quase nenhuma -, as nuvens bem que ameaçaram, a trovoada ao longe fazia prever o pior. Mas fora um pingo aqui e outros ali, nada de especial. Tive mais cuidado em ter a máquina guardada, e por isso tenho menos fotos do que gostaria. Mas mesmo assim. :)
Não aconteceu nada de especial? Aconteceu, sim. Existiu, este dia.
1 comentário:
Qual S.João...???
Hoje, com tanto que ler, é dia de S.Jorge!!!! :) :) :)
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