Connosco no pequeno autocarro: duas dinamarquesas muito
giras, sempre a rir; uma alemã que já tínhamos visto no passeio aos geysers; a argentina com quem tínhamos
estado à conversa, à porta da agência de viagens; e um casal de meia-idade de
portugueses, emigrantes na suíça, ele a falar com toda a gente muito-alto e
muito-rápido, com o mesmo tom e sotaque que usaria se estivesse a visitar
"a terrinha"... e os chilenos lá encolhiam os ombros e franziam o
sobrolho, sorriam porque-tinha-de-ser, num muito-esforçado-esforço para
entender o senhor. Para que me esforço/finjo que falo castelhano... ;)
Ao sairmos do autocarro para ir carimbar os passaportes, o driver começou logo a stressar com o
facto de eu e o Bunty não termos o "papelinho" da Imigração. Medo.
Vocês assim não podem sair do país, Como é que não têm o papel, Deviam ter dito
na agência, Mas ninguém nos disse nada, Alguém devia ter dito alguma coisa, E
agora o que fazemos?
Tinham-nos retirado o papel do passaporte, à entrada do
Chile. E até reparámos nisso, porque na Patagónia tinha ficado lá dentro... mas
achámos que era um procedimento normal, por isso nem o questionámos. Depois de
não sei quanto tempo parados nos Andes, e com um traficante sentado ao meu
lado... nós só queríamos chegar a Santiago, sabíamos lá que era preciso o
papelinho!
Mas: ao que parece, era mesmo preciso apresentá-lo à saída
do país. O driver ia e vinha, fumo a sair pelas orelhas, Procurem-no bem, Tem
de estar aí algures, Não está, Ficaram com ele na fronteira, já lhe disse.
Entretanto as dinamarquesas contaram-nos que lhes tinha
acontecido o mesmo, mas na agência mandaram-nas vir a este mesmo posto, no dia
anterior, e fazer uns papéis novos.
E agora?
Começámos a ficar nervosos, nem queríamos acreditar na
hipótese, por muito remota que fosse, de ficar mais um dia em Atacama - e, quem
sabe, perder o direito à viagem. Este passeio não estava a começar nada bem.
Metemo-nos na fila da Imigração, contrariando o nervosismo
do driver, que optou por manter a
distância. Não podia ser assim tão difícil, se as miúdas tinham arranjado o
papel. O único problema é que nos estávamos a "pôr a jeito" para ter
de pagar uma "multa".
Esperámos que chegasse a nossa vez.
"O papel?"
"Tiraram-no do passaporte na fronteira de Los Heroes,
quando vínhamos da Argentina."
Silêncio.
Assina aqui, carimba ali...
"Boa viagem."
Assim tão simples. As dinamarquesas nem queriam acreditar,
tinham perdido tempo no dia anterior para nada. Nós nem queríamos acreditar na
sorte. E o driver nem queria
acreditar que tinha feito tamanho drama por nada.
Avançámos mais meia dúzia de quarteirões e parámos segunda
vez, para tomar o pequeno almoço. Fiz um bocadinho de conversa com os
portugueses e descobri que iam fazer o mesmo percurso até Uyuni, mas tinham um
carro só para eles. Ou seja: eu e o Bunty íamos com as miúdas. Nada mau.
E já com a barriga cheia: continuámos viagem na direcção das
montanhas, primeiro por alcatrão, depois por terra batida, até que chegámos a
uma casinha no meio do nada, rodeada de jipes e turistas a arrumar mochilas em
tejadilhos.
As formalidades processaram-se rapidamente, a ida à
casa-de-banho também, decidi tomar um Imodium porque a paisagem matinal não era
muito sólida. É da ansiedade, pensei.
Cá vamos nós: à nossa volta montanhas e lagos de várias
cores, rochas e deserto, animais e tonturas. Destino final: o salar de Uyuni,
daqui a três dias.
Mas como diz a tatuagem que tenho no braço direito: o
caminho é o destino. E neste caso em particular... que caminho!
3 comentários:
O velho imodium, companheiro de todas as viagens .... E agora o que vai acontecer .....
Afinal, três dias passaram num instante!!!
O desaparecimento do papelinho do passaporte, fez-me lembrar apertos semelhantes, que se resolvem sempre, mas dão um mal estar do caraças...
Estas reportagens encantam-me.
Obrigada.
Enviar um comentário