04/12/2013

A EPOPEIA DA AMIGDALITE (parte 3)

Tentando esquecer a galinácea comparação do último post: lá se foi o grupo pelas ruas frenéticas da capital vietnamita, montados em duas rodas, à pendura com um estranho e uma buzina.

Eles não sabem mas eu sei, pela experiência adquirida ao longo de dezasseis outras edições, que este será o momento alto do seu dia. Voltarão algumas horas mais tarde com o coração aos saltos, a sorrir de orelha a orelha, fascinados com o fluir, a naturalidade e a radicalidade... daí ter pena de não os acompanhar. Mas, ao mesmo tempo, esta é a altura em que posso não estar presente. Vai correr tudo bem, eu sei.

Retirei-me para o meu quarto, tomei o novo antibiótico - e deixei-me cair na cama. Ainda não eram três da tarde... e ainda bem que pus o despertador para as sete, senão tinha ficado ali até ao sol raiar novamente.

Acordei ligeiramente mais bem-disposto, mas ainda fraco. Fui ter com o grupo - claro que tinham adorado, correu tudo bem, só queriam mais. E eu tenho mais :) tenho dez bilhetes para os Water Puppets, desta vez antes de jantar, era a sessão disponível, fica a festa para depois.

Deixei-os no Teatro e sentei-me a beber um chá de gengibre, enrolado no Curdistão e num North Face que tem sido o meu melhor amigo. Apareceu, como combinara uns dias antes, uma "amiga da estrada" chamada Andreia - além das muitas conversas online, já tínhamos jantado em Bangkok há um ano ou dois, é comum partilharmos histórias, dicas e rotas. Vinha com alguns amigos, ficámos todos cúmplices num instante. Eu a meio-gás, eles com a pica toda. Foi bom, sempre me puxaram para cima, e quando o grupo saiu do espectáculo até parecia que estava mais bem disposto.

Jantámos no Little Hanói, um restaurante muito simpático no coração do Bairro Antigo, numa ruazinha a que costumo chamar o Bairro Alto de Hanoi. Muito bom. Soube-me bem, a comida. Não deixei nem um pedacinho, que menino bonito. Mas no final já estava a ficar cansado, e apesar de ouvir alguem mencionar a palavra "copos", fiz-me de parvo e iniciei marcha em direcção ao hotel. Entretanto dei a opção de ficar-quem-quiser-ficar, mas amanhã é dia de madrugar.

Amigdalite, dia 6:
Hànôi e Ninh Binh

De manhã: ainda fraco e com frio, com febre e mal da barriga.
"Efeitos secundários do antibiótico, provavelmente."

Diz quem sabe, claro. Eu sou apenas um tristonho, pálido enfermo líder de viagens. E volto a insistir: a precisar de miminhos.

Acordei às seis da manhã para ir dar uma volta com o grupo às seis e meia. Fomos para o lago Hoan Kiem, onde assistimos ao Despertar da cidade, aos ritmos e dinâmicas à volta da água, com o sol a nascer em pano de fundo, energia revitalizante, mágica, fonde de vida. Que manhã espectacular! A luz estava divinal, foi dos melhores Despertares a que assisti em Hànôi. E já não são poucos.

Só pode ser um sinal.

Deixei o grupo gozar o momento, cada pessoa ao seu ritmo - e voltei para o meu quarto. A custo empacotei a minha vida: como tem de ser, como dá jeito carregar. Trouxe as mochilas para baixo, ensaiei um sorriso porque sou tão bem tratado aqui, mas estava tããão cansado e apetecia-me pouco sorrir. Paguei o meu quarto e paguei os quartos dos outros, tomei o pequeno-almoço e os antbióticos. Agora tomo os dois, amanhã páro com o antigo e mantenho apenas o novo.

Às nove da manhã vieram as motas. Às nove e meia estávamos na estação de autocarros de Hànôi. Às dez partíamos para Ninh Binh. Nada mau. Duas horas de viagem num pequeno autocarro sobrelotado, como tem de ser. Como é, sempre que cumpro este trajecto. Tentei dormir, consegui durante a primeira hora, dei-me por satisfeito, passei parte da outra a fingir que dormia. Todo partido.

Meio dia: pára ali ao pé do semáforo, se faz favor. Ali. Sim, pode ser aqui atrás deste carro. Isso. Aqui. Meus amigos, vamos sair do autocarro, ficam só duas pessoas para me ajudar a tirar as malas, os outros vão recebendo do lado de fora.

Cinco minutos depois já o autocarro partiu. Que eficácia. E eu: todo partido.

Adiante: o grupo avançou para o programa da tarde sem mim, mais uma vez. Desculpei-me pela solução e penso que toda a gente entendeu, tem de ser assim se quero pôr-me bom para o resto da viagem. Senão, ando sempre "atrás do prejuízo".

Dormi a tarde quase toda. A febre subiu, a febre desapareceu, senti-me gradualmente melhor e até consegui escrever a primeira parte desta trilogia, já ao fim da tarde. Nada mau. Quando saímos de taxi para o comboio, tinha a noção de que estava finalmente a melhorar. As amígdalas doem menos, parece que tenho um nó na garganta e ainda arranham um pouco, mas está melhor.

Partimos às nove da noite e enfiei-me logo na cama. E dormi que nem um anjo.

Amigdalite, dia 7:
Hué

Acordei muito mais bem disposto. Isto está a passar. Isto está a passar. No entanto, um fenómeno estranho: as mãos estavam todas manchadas de um amarelo-acastanhado. Como se tivesse estado a brincar com betadine, ou com ferrugem. Pensei que pudesse ter tocado em alguma coisa enquanto dormia, ou quando fora à casa-de-banho... mas por muito que esfregasse, não saía.

Que estranho. Não é sujidade. Está nas mãos.

Decidi que, apesar de não estar ainda a 100%, ia fazer o passeio de hoje com o grupo. Estou farto de ficar em casa :) e claro que, logo hoje, tinha que cair uma carga de água. Foi o dia todo! Andámos de mausoléu em mausoléu, de templo em templo, eu sei lá de onde para onde... de mota... à chuva. Todo o dia. Vestidos com os impermeáveis dos drivers. Foi uma experiência diferente, claro, e o grupo soube valorizá-la... mas chegámos ao final da tarde estafados. E ensopados.

Estou mesmo a pedi-las, não estou?

Enfim: hoje não houve karaoke (mesmo que houvesse eu não ia, apesar de me sentir melhor, tudo em nome de recuperar energias... e de não poder beber álcool eheh). Acabámos por jantar num restaurante novo aqui ao lado. Muito bom, por sinal. As mãos estão agora menos castanhas, se calhar foi uma reacção ao facto de ter estado a tomar os dois antibióticos ao mesmo tempo, não sei se é uma barbaridade médica aquilo que estou aqui a assumir. Mas o facto é que deixei de tomar o original, hoje... e ao longo do dia as manchas foram desaparecendo. Ou quase.

Não interessa: estou melhor.

Por este andar, entre amanhã e depois já estou bom. Felizes para sempre? Não - calma. Ainda não. Não posso mandar já os foguetes, é muito cedo. Está quase, estou melhor e não tarda nada estou fino... mas ainda é cedo para festejar happy endings.

E no entanto, o grupo já me veio perguntar se conheço uma discoteca chamada Apocalypse Now, em Saigão.

Medo.

1 comentário:

Clara Amorim disse...

Puxa...! Um líder Nomad não merecia uma epopeia destas!!!
As melhoras rápidas!