(Texto escrito pouco depois de chegar ao Irão, em Abril).
Depois do primeiro contacto com a senhora da agência iraniana que emitiu o meu visto "à confiança", e da breve mas eficaz passagem pela embaixada em Bangkok - eis-me finalmente a caminho do Irão.
Viajei na Oman Air para Teerão, com escala em Muscat. Levantei voo de Bangkok logo de manhã, um bocado atrasado mas não me pareceu grave. O avião era bom e com muito espaço para as pernas, infelizmente estava "entalado" entre a janela e um homem muito forte que no início ia sempre a mexer-se, que nervos!, mas para ser sincero acabou por nem ser tão mau quanto cheguei a temer. Dormi metade do tempo, vi um filme, escrevi mais um pouco do meu próximo livro - e se é verdade que não foi a viagem mais confortável de Sempre, também não posso dizer que tenha sido propriamente a mais dramática.
O drama, esse, só começou depois.
Assim que aterrámos em Muscat mudei a hora ao telefone e imediatamente percebi que estávamos a chegar "mesmo em cima" da hora que era previsto levantar voo para Teerão. Que estranho, normalmente evito escalas muito curtas, como é que escolhi este bilhete, pensei. Mas explicaran-me que o segundo voo tinha sido adiantado... e como este já ia atrasado... que pontaria.
Saí a correr do avião para o shuttle, e a correr do shuttle para o aeroporto, onde me mandaram ir perguntar ao balcão dos transfers. Subi as escadas dois-a-dois, com-licença, faz-favor, e não ser que o segundo voo também tivesse atrasado, o mais certo era ter perdido a minha ligação.
No balcão explicaram-me que iam atribuir-me novo voo, sente-se aí à frente que já o chamamos, e eu sentei-me, que remédio.
Vou chegar tão tarde a Teerão, que chatice.
Ao pé de mim sentou-se um casal iraniano de meia-idade, mais uma francesa da minha idade, começámos à conversa, eles iam visitar a família e ela vinha do Sudeste Asiático para encontrar-se com os pais:
"Estou a viajar há vinte e dois meses. No ano passado vim ao Irão pela primeira vez, era suposto ficar só trinta dias mas acabei por pedir a extensão do visto, adorei o país, fiquei dois meses e apaixonei-me pelas pessoas, pela cultura, pela História."
Onde é que eu já ouvi isto.
"Agora desafiei os meus pais e eles chegam daqui a três dias, vou ser a guia deles durante duas semanas. E depois volto para o Sudeste Asiático, para continuar com a minha volta."
Os senhores aí sentados, por favor.
Levantámo-nos, e qual não foi a nossa surpresa quando nos disseram que o voo original também estava atrasado, apesar dos passageiros já terem embarcado, despachem-se a chegar à porta de embarque e ainda conseguem embarcar. Fizeram um novo boarding pass para o casal, que foi andando. Depois para a francesa, que saiu disparada a correr. E finalmente o meu... mas passa-se alguma coisa... a senhora ao balcão chama alguém... eu começo a ficar nervoso, está a demorar tanto tempo, nem acredito que vou ser o único a perder o voo... está tudo bem, senhora?... e ela olha nervosa para mim mas não diz nada, e tenta mais qualquer coisa no computador, Alá, Alá... é o sistema.
O sistema!
(Curiosamente, quando estiver a sair do Irão três semanas depois, vou também ter um problema com o "sistema".)
Vem o colega, tenta qualquer coisa e nada, desliga e liga, não acredito, vou mesmo ficar em terra, tento não enervá-los ainda mais mas por dentro vai aqui uma revolução, passam-se alguns minutos e eu já estou a imaginar o avião a ir embora e eu em terra, vamos lá embora, senhora.
"Here's your boarding pass. Run!"
E eu corri.
Qual Rosa Mota qual-quê! Usain Bolt... um menino! Lancei-me pelos corredores do aeroporto de Muscat como se estivesse a ser perseguido por algum monstro ou fantasma, só ao fim de algumas passadas é que me lembrei que nem sabia qual era a porta de embarque, voltei-me para trás mas o balcão estava já longe, não faz mal, hei-de encontrar algum painel.
Mais à frente estava uma pequena fila para o raio X, assim que me viram os seguranças gritaram-me "Tehran?" e eu respondi que sim, as pessoas afastaram-se e eu passei em modo fast forward. Continuei a correr e ainda ouvi um deles gritar-me "gate number seven!", sem abrandar agradeci a rir e acelerei, e eis que à minha frente vejo pessoas e lojas mas os funcionários perguntam-me sempre "Tehran?" e eu "yes-yes-tehran", e o caminho foi-se abrindo à minha frente, parecia o final da maratona, só faltava aplaudirem-me, e acho que oiço ao fundo Vangelis, e vejo à frente a meta, sorrisos, Tehran, Tehran!
Entrei no avião "com os bofes de fora", sentei-me no lugar indicado no boarding pass, vamos lá embora. Ao meu lado estava sentado um homem nos seus sessenta muito - bem vividos e melhor conservados, magro e "seco", meio "freak", muito viajado, bom conversador, viemos o tempo quase todo a opinar e a trocar histórias e peripécias sobre o Irão e o Mundo.
Chamava-se Max. Nasceu em Teerão e aí viveu até aos dezoito, quando saiu para viajar pelo Mundo. Em 1979 estava na Suécia e comprou uma "pão-de-forma", foi até Portugal com uns amigos, trabalhou numa cooperativa alentejana a tirar cortiça das árvores, contou-me histórias que metiam a polícia a disparar para barris de vinho, ele a mostrar uma máquina fotográfica numa manifestação e a dizer que era jornalista da BBC, e depois o casamento com uma sueca, mais as empresas que fundou e o caminho mais "corporate" que acabou por tomar, apesar de trabalhar com soluções ecológicas, etc. Mas há uns anos apanhou um susto e o médico aconselhou-o a abrandar o ritmo... por isso largou as empresas, a esposa, a casa e o conforto - e agora viaja.
O Max é muito espiritual, filosófico e pragmático, ao mesmo tempo. Muito-muito interessante. Ainda partilhou comigo algumas dicas sobre o seu país, desenhou-me um mapa com sítios a ir, percursos, experiências. Que conversa boa - a forma perfeita de relaxar daquela stressante corrida pré-voo... e de chegar ao Irão "enquanto o Diabo esfrega um olho".
1 comentário:
Mais vale tarde do que nunca! Dos tais textos que nunca têm prazo de validade! 😉
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